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quinta-feira, julho 28, 2011

Dislexia

Dr. José Salomão Schwartzman é neuropediatra. Formado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, especializou-se em Neurologia Infantil no Hospital for Sick Children, em Londres, e é professor titular de pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 


Drauzio – O ensino no Brasil está preparado para atender alunos com dislexia?

José Salomão Schwartzman – Estamos vivendo uma época complicada no que se refere à educação pública do Brasil, e a educação privada também passa por momentos em que são discutíveis tanto o currículo quanto o preparo dos professores. Não se pode negar que há uma série de fatores interferindo no aprendizado. Como médico, também me preocupa estarmos seguindo a cultura dos países de primeiro mundo, que tornou o processo de ensino da escrita e da leitura cada vez mais precoce. Na minha época, as crianças iam para a escola aos sete anos. Antes faziam tudo o que tinham direito, não tocavam num lápis se não quisessem, mas chegavam absolutamente maduras para serem alfabetizadas. Depois, veio a moda da pré-escola e o processo de alfabetização recuou para os seis anos, para os cinco e, pasmem, recebo crianças com 4 anos com suspeita de dificuldade de aprendizagem escolar, o que é uma piada! Com quatro anos, não deveriam estar na escola, mas, se estão, que seja por algum outro motivo que não a leitura e a escrita. Portanto, como se alfabetiza muito cedo, cada vez mais as crianças estão menos prontas para iniciar o processo e são identificadas dificuldades de aprendizagem que, na realidade, não existem.

Drauzio – Você vê alguma vantagem em alfabetizar a criança tão cedo assim?

José Salomão Schwartzman – Vejo só desvantagens. Do ponto de vista neurológico, na média, o brasileiro está pronto para ser alfabetizado aos seis, sete anos, o que não significa que algumas crianças o façam aos três e outras, aos nove anos. Esse pressuposto desperta muita polêmica, pois, além de estarem ensinando inúmeros conteúdos muito cedo, a maioria das pré-escolas é bilíngüe, com as vantagens e desvantagens que tal proposta pode acarretar. 
A vantagem que se apregoa baseia-se na janela do conhecimento, ou seja, na premissa de que o cérebro é muito plástico nos primeiros anos de vida. Por isso, quanto mais cedo a criança for exposta às informações, mais depressa aprenderá. No entanto, em termos de aquisição da linguagem, o ideal é aprender primeiro a língua materna, ser alfabetizado nessa língua e, depois, aprender duas ou três línguas. O problema é que, atualmente, vivemos a síndrome do apressamento infantil. Desde muito cedo, as crianças têm uma agenda mais sobrecarregada do que a de muitos adultos e acabam apresentando dificuldades não de aprendizagem, mas de “ensinagem”.

O que é
Diagnóstico

Drauzio – Como é feito o diagnóstico de dislexia?

José Salomão Schwartzman – Hoje se sabe que a dislexia está associada a algumas alterações do cérebro e precisa ser diferenciada de outros distúrbios. Dizer que um indivíduo é disléxico é deixar claro que ele não é deficiente mental, não tem transtorno de déficit de atenção, nem é portador de quadro emocional ou psicológico que interfira no aprendizado. E mais: que foi exposto à alfabetização na faixa de idade adequada e freqüenta uma escola também adequada às suas necessidades. 
De certa forma, o diagnóstico de dislexia é feito por exclusão. Por isso, quando a criança é levada ao consultório com a queixa de vai mal na escola, antes de afirmar que é disléxica, é preciso descartar uma série de distúrbios que ela não tem. Por exemplo: deficiências visuais e auditivas interferem negativamente na aprendizagem e podem ser tão sutis que as pessoas ao redor não percebem. É óbvio que ninguém é disléxico porque precisa usar óculos.

Drauzio – Com que freqüência é feito o diagnóstico de dislexia?

José Salomão Schwartzman – Houve uma época em que todas as crianças com alguma dificuldade para aprender a ler e a escrever eram classificadas como disléxicas até prova em contrário. Como esse diagnóstico era infundado, porque por trás do rótulo de dislexia podiam estar mascaradas patologias mais graves como autismo, deficiência mental e surdez, por exemplo, o termo dislexia praticamente foi banido da literatura científica. Recentemente, porém, ele voltou a ser considerado como importante para definir um distúrbio que merece atenção, embora no Brasil o diagnóstico continue pouco freqüente. Os profissionais preferem imaginar outras causas que não a dislexia para a dificuldade de aprendizagem no âmbito da escrita e da leitura.

Drauzio – Qual é a conseqüência de a maioria dos disléxicos não ser identificada como tal?

José Salomão Schwartzman - Essas pessoas são penalizadas na escola, porque exigem delas o mesmo rendimento dos outros alunos. O disléxico não pode, por exemplo, fazer uma prova escrita da mesma forma que os colegas. Isso tem de ficar bem claro para a escola, que deve optar por outros recursos de avaliação. Por outro lado, exigir que tome nota ou faça um ditado com a mesma rapidez que fazem seus pares é propor um jogo com cartas marcadas. 
Portanto, é fundamental identificar o problema e encaminhar o disléxico para um procedimento psicopedagógico ou fonoaudiológico, a fim de tentar corrigir sua dificuldade. Ao mesmo tempo, é preciso garantir-lhe permissão para usar ferramentas que o torne igual aos outros, o que é muito mais complicado do que parece. Há pouco tempo, atendi um adolescente de 14 anos, muito inteligente, mas disléxico grave, com enorme dificuldade para leitura, escrita e compreensão de textos. Nunca foi reprovado, porque abandonou todas as atividades extracurriculares - teatro, música, esporte - para dedicar-se exclusivamente ao estudo, mas ainda assim o resultado não era muito bom. Como estava bem adaptado socialmente e não queria ser transferido de escola, propus que conversasse com os professores a respeito de usar o corretor de texto do computador para fazer as tarefas. Mandei também o diagnóstico com a minha sugestão para a escola. 
Dois dias depois, recebi um telefonema da orientadora pedagógica. “Olhe, estou ligando a respeito daquele caso que você avaliou. Sua sugestão é inaceitável para a nossa escola. A classe tem vinte alunos, se ele puder usar o corretor de texto, o que faremos com os outros?” Eu lhe perguntei, então, se alguém naquela classe precisava de óculos. Ela me respondeu que dois ou três usavam. Perguntei-lhe, então, como agia nesse caso. Obrigava todos os outros a usarem óculos ou não permitia que os dois ou três com problemas de visão os usassem. 
A tendência é as pessoas verem numa proposta como essa uma facilidade a mais que se dá ao disléxico, quando, na verdade, ela representa a única forma que tem para competir em igualdade de condições com os colegas. Se um disléxico tem dificuldade enorme em decorar tabuada, mas o raciocínio necessário para resolver os problemas, que mal há em permitir que use a máquina de calcular? Não é isso que ele vai fazer a vida inteira? 
Nossas escolas resistem em admitir tais possibilidades. No exterior, porém, já existem faculdades que aceitam o uso do corretor de texto, porque o que interessa é saber se o aluno disléxico sabe a matéria e não a forma como escreve.

Drauzio – O disléxico pode sair-se muito bem quando faz uma prova oral?

José Salomão Schwartzman – Pode sair-se perfeitamente bem e é nisso que se deve basear sua avaliação.

Desvantagens da alfabetização precoce
Possíveis causas

Drauzio – O processo de construção das frases, de agrupamento dos fonemas, os conceitos gramaticais que incorporamos sem perceber, são de extrema complexidade cerebral. Isso fica evidente nas pessoas que sofreram micro-infartos cerebrais e que perdem a habilidade de falar substantivos, ou verbos, ou adjetivos. Se perderam a capacidade de falar adjetivos, por exemplo, quando querem dizer “O gato derrubou o vaso azul”, pensam na palavra azul, mas a omitem porque ela não aparece no centro de articulação dos fonemas. O disléxico também apresenta essa dificuldade com a classe gramatical, ou seu problema é global?
José Salomão Schwartzman – Habitualmente é global. No entanto, é preciso diferenciar dois tipos fundamentais de dislexia. Primeiro: a dislexia adquirida que aparece quando o indivíduo já lia ou a criança já falava, mas perderam essas habilidades em função de algum dano em seu cérebro. Segundo: a dislexia que surge no momento em que o processo de aprendizagem de leitura e escrita está ocorrendo. Nesses casos, parece que o principal defeito é não conseguir estabelecer a memória fonêmica, ou seja, a memória do som, uma vez que para decodificar o estímulo escrito é preciso estabelecer relação entre a letra que vejo e o fonema que escuto, fazer as conexões necessárias e enviar a informação para a área da linguagem no cérebro. De acordo com esse critério, os disléxicos têm um defeito congênito de gravidade variável na memória fonêmica que interfere na decodificação do estímulo sonoro. Tanto é assim, que a maioria dos métodos de tratamento visa a melhorar a estrutura fônica do indivíduo.

Drauzio – Pais e professores conseguem reconhecer esse problema rapidamente na criança?

José Salomão Schwartzman – Há trabalhos mostrando que existem certas evidências da dislexia antes de o processo de leitura começar. O histórico desses indivíduos mostra que alguns são desajeitados e têm dificuldade motora para dar um laço no cordão do sapato, por exemplo. Essa teoria é ainda discutível e não dá a garantia de que serão disléxicos, quando iniciarem o processo de alfabetização.
Drauzio – Você disse que existem muitos mitos a respeito da dislexia. Você poderia dar um exemplo?
José Salomão Scwartzman – Um dos mitos é que os disléxicos escrevem invertido, ou seja, desenvolvem a escrita especular. Não é verdade. A maioria dos disléxicos não escreve assim e crianças sem o distúrbio também podem apresentar essa característica no jnício da alfabetização, especialmente se forem canhotas ou tiverem canhotos na família. Portanto, escrita em espelho não é necessariamente sinal de dislexia, um distúrbio associado à dificuldade de ler, escrever e compreender o texto.

Drauzio – Relação entre dislexia e quociente intelectual pode ser estabelecida de alguma forma?

José Salomão Schwartzman – Pode, mas esse é um dado complicador para a avaliação. Diagnosticar dislexia significa reconhecer que determinado indivíduo tem dificuldade de leitura e escrita desproporcional a seu QI. O que isso representa diante de um deficiente mental leve com dificuldade desproporcional nessa área? Ele é deficiente ou disléxico? Nesse caso, o julgamento tende a ser subjetivo. Cada um avalia de acordo com seus critérios. Por isso, acho complicado fazer o diagnóstico de dislexia estabelecendo relações com o QI.

Diagnóstico diferencial

Drauzio – Qual o critério ideal a ser respeitado?
José Salomão Schwartzman - Como norma, considera-se disléxico o indivíduo sem deficiência mental, exposto a oportunidades intelectuais e culturais adequadas, visto que enorme parcela da população brasileira não tem a menor possibilidade de desenvolver a leitura e a escrita, não porque seja constituída por disléxicos, mas porque não é exposta aos estímulos culturais. Por isso, é preciso diferenciar o indivíduo que não sabe ler e escrever, o mau leitor e o analfabeto funcional daqueles que são portadores de dislexia.
Drauzio – Nos níveis sociais mais baixos, quando o médico escreve uma receita, pergunta ao paciente se sabe ler e ouve como resposta “mais ou menos”, é sinal de que não sabe. Na verdade, até hoje não é pouco freqüente encontrar quem tenha freqüentado a escola só até a 3ª, 4ªsérie. Nesse universo, é provável que alguns tenham dificuldade com a leitura e a escrita porque são disléxicos, mas tanta gente assim não é possível.
José Salomão Schwartzman – Atualmente, a situação está ainda mais confusa por causa da impossibilidade de reprovar o aluno que não está preparado para acompanhar a série seguinte. Estudos têm mostrado que, quando se compara a eficiência do aluno brasileiro em matemática e português com os de outros países do mundo, o Brasil ocupa quase o último lugar. 
Mesmo os indivíduos que não são disléxicos têm enorme dificuldade de ler adequadamente e compreender o texto. Sou professor de pós-graduação e testemunha da dificuldade que parte de meus alunos tem para escrever a monografia. Não estou falando dos erros ortográficos. Estou me referindo à dificuldade de passar para o papel aquilo que estão pensando, o que, sem dúvida, é fruto do nosso sistema educacional ineficiente.

Drauzio – Você não acha que a maior preocupação deveria ser ensinar a ler, porque, se a pessoa não souber ler direito ou não entender o que lê, todo o aprendizado estará comprometido?

José Salomão Schwartzman – Claro. Prova disso é a queda nas vendas no mercado de livros, que nunca foi muito bom, aliás. A venda de livros técnicos cai 11% ao ano e de livros não técnicos, de 30% a 40%. As pessoas não lêem não porque não sintam prazer na leitura. Não lêem porque não sabem ler. Esse é um problema sério por ênfase inadequada do sistema educacional. Não estamos ensinando as pessoas a ler.

Conduta

Drauzio – Qual é sua conduta quando verifica que uma criança tem dislexia?
José Salomão Schwartzman – Encaminho para um profissional da área de psicopedagogia ou de fonoaudiologia ou para alguns psicólogos que se especializaram nesse tipo de distúrbio. Eles vão tentar agir sobre o ponto do mecanismo da leitura que aquele disléxico tem comprometimento maior para ajudá-lo a superar a dificuldade na medida do possível. Vou também instrumentalizar a escola para que possa atuar de forma adequada com esse aluno que não é burro, não é deficiente, não é preguiçoso, mas apresenta uma dificuldade real, diante da qual tem dois caminhos a seguir. Primeiro: é acomodar-se com a idéia de que não vai aprender a ler, porque – “Coitado de mim, sou disléxico!” - ou, então, apesar de saber que tem dislexia, fazer de tudo para superar as dificuldades e ser um vencedor como Shakespeare, Michelangelo, da Vinci, ou um bom funcionário de banco, um bom médico.

Drauzio – Como devem agir os pais quando percebem a dificuldade da criança?

José Salomão Schwartzman – A experiência clínica me mostra que pais de uma criança que não vai bem na escola e não conseguem imaginar por que isso acontece, ficam extremamente aliviados quando ouvem uma explicação racional para a dificuldade do filho. Primeiro, porque se libertam do sentimento de culpa: “O que fiz de errado para meu filho ir mal na escola?” é uma pergunta que todos se fazem. Depois, porque diminui de imediato o nível o nível de ansiedade da família quando sabem que o filho não é preguiçoso nem safado, mas tem uma dificuldade real e quando são orientados sobre o caminho a seguir. 
O fundamental é identificar o problema e dar instrumentos para a criança, apesar da dificuldade, levar vida normal do ponto de vista acadêmico, familiar e afetivo. Há indivíduos que vão depender sempre de um corretor de texto. E daí? Muitos escritores famosos fazem isso sem constrangimento. Como eles, os disléxicos também podem escrever livros belíssimos, desde que corretamente orientados.

Site
www.schwartzman.com.br

Um comentário:

  1. Tenho três filhos, duas meninas dislexicas... Tivemos muita dificuldade para descobrir o disturbio , além do preconceito e relutância da escola em aceitar. Hoje elas te, 17 e 13 anos e lidam muito bem com suas dificuldades. Não são as primeiras da classe, sempre ficam de recuperação, mas no final, "tiram de letra" ! rs...
    Gostaria que essa matéria fosse lida por todo educador mal informado, que acredita que a dislexia seja, como tantas vezes ouvi, uma maneira de "ROTULAR" a dificuldade das crianças.

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