Objetos transicionais ajudam a criança a fazer uma “ponte” entre a mãe e o mundo externo
“Cadê o seu bebê?”, disse a mãe a sua filha de três anos de idade, que soluçava. “Você precisa do seu bebê!”
Sua filha mais velha começou a procurar em meio a dois grandes pacotes de fraldas e, triunfante, retirou um cobertor felpudo rosa. A menina de três anos pegou o cobertor e o colocou debaixo do queixo, segurando-o com força. “Aí está o seu bebê!”, disseram a mãe e a irmã mais velha em uníssono. O choro cessou e prosseguimos com o exame médico.
Os chamados objetos transicionais –cobertores adorados, bichos de pelúcia esfarrapados, roupas insubstituíveis– são frequentes na sala de exames pediátricos. Algumas crianças se agarram a eles para aliviar o estresse de serem examinadas ou vacinadas, enquanto outras simplesmente nunca saem de casa sem seus favoritos. Pergunte a qualquer grupo de pais sobre os objetos transicionais e você vai ouvir ótimas histórias, geralmente, sobre um item precioso que foi extraviado ou perdido em algum momento crítico.
Pergunte aos adultos e as pessoas menos prováveis vão lhe dizer os nomes dos seus preciosos cobertores da infância ou ficar com os olhos cheios de lágrimas ao se lembrarem de um urso de pelúcia.
Os especialistas britânicos que escreveram pela primeira vez sobre o termo mencionaram o Ursinho Pooh e Aloísio, o urso de pelúcia do livro “Memórias de Brideshead”. Uma encarnação literária recente de um objeto transicional é o Coelhinho Knuffle, da série de três livros ilustrados por Mo Willems. No entanto, o objeto transicional mais conhecido entre os americanos é provavelmente Linus, com seu cobertor, dos quadrinhos do Snoopy, que datam da década de 1950, momento em que floresceu a discussão psicanalítica acerca do fenômeno.
Em 1953, Donald Woods Winnicott, renomado pediatra e psicanalista, apresentou um trabalho à Sociedade Britânica de Psicanálise: “Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais – um Estudo da Primeira Possessão Não Eu”. O artigo, publicado na “Revista Internacional de Psicanálise”, combina teoria psicanalítica com uma clara familiaridade pediátrica com crianças e seus queridos cobertores.
“Os pais sabem da importância do objeto e o levam junto quando estão viajando com a criança”, escreveu Winnicott. “A mãe o deixa ficar sujo e mesmo mal cheiroso, sabendo que, ao lavá-lo, introduz uma quebra na continuidade da experiência do bebê.” Do ponto de vista de Winnicott, o objeto, juntamente com o que ele chamou de “mãe suficientemente boa”, ajuda a criança a lidar com o problema fundamental da separação.
“O bebê sabe que o ursinho não é a mãe, mas pode ter certa satisfação. O bichinho de pelúcia não é nem a mãe nem totalmente apenas um bichinho de pelúcia”, disse Steve Tuber, psicólogo clínico e professor de psicologia do City College, autor de um livro sobre Winnicott.
A especificidade da preferência –e do carinho– da criança é comparável a sua capacidade crescente de sentir uma forte ligação específica a pessoas em particular. O objeto transicional é “uma ponte entre a mãe e o mundo externo”, disse Alicia Lieberman, especialista em saúde mental infantil e professora da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Arietta Slade, professora de psicologia clínica e do desenvolvimento na Universidade da Cidade de Nova York, disse: “Se pararmos para pensar, ele é um mecanismo muito adaptável. Existem outras coisas além da mãe às quais as crianças podem recorrer em busca de uma sensação reconfortante”.
Alguns pais chegam a “sugerir” um objeto conveniente (e comprar vários para armazenar), mas as crianças são motivadas principalmente por suas preferências misteriosas e apaixonadas e não necessariamente aceitam substitutos –lembremo-nos de todas essas histórias sobre ter de mudar o trajeto do carro para buscar o cobertorzinho de verdade em casa.
O objeto transicional “tem de ser criado pelo bebê”, disse Tuber. “A criança tem de escolher o que realmente se torna dela.”
Inevitavelmente, há pais que se preocupam com a ideia de um objeto se tornar muito importante, com a possibilidade de que cuidar dele e preservá-lo possa vir a ser um grande fardo ou de que ele impeça a criança de estar de acordo com a maturidade e a independência que se espera dela.
“Os pais ficam chateados porque acham que vão perder o objeto transicional; acham que ele junta germes, que ele parece infantil, que é um problema na cultura americana”, disse Barbara Howard, pediatra especializada em desenvolvimento comportamental da Universidade Johns Hopkins.
“O maior problema é a estigmatização. Não existe um limite de idade para quando o objeto transicional se torna ruim, mas a pessoa pode ser importunada se continuar com ele”, acrescentou.
À medida que as crianças vão crescendo, alguns objetos transicionais –especialmente os bichos de pelúcia– assumem personalidades distintas, passando a ser ao mesmo tempo uma figura de conforto e um amigo imaginário. Basta pensarmos em como o Ursinho Pooh, para Christopher Robin, representa um companheiro e, às vezes, uma criança problema. Aloísio, o urso de pelúcia de “Memórias de Brideshead”, é levado até Oxford.
Na verdade, Howard sugere que até 25% das jovens que chegam à faculdade levam algo que pode ser identificado como um objeto transicional da infância. Um jovem adulto que chega à faculdade, com ou sem bichos de pelúcia ou restos de um cobertor velho favorito, deve chamar nossa atenção para o fato de que os desafios da separação –e as consolações e complexidades do apego– não ficam confinados, no que diz respeito ao desenvolvimento, nos primeiros anos de vida da pessoa.
A imagem familiar de uma criança pequena junto a um objeto transicional, geralmente cativante e um tanto engraçada, às vezes inquieta e até mesmo desesperada, nos lembra que aprender a negociar e a desfrutar de despedidas e reencontros é parte da tarefa que cabe tanto aos pais quanto às crianças.
* Perri Klass é médica pediatra
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