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quarta-feira, março 06, 2013

Caminhos para uma escola alfabetizadora



Para que todos os alunos saibam ler e escrever antes de chegarem aos 8 anos, a equipe gestora deve investir na formação dos professores e na criação de um ambiente alfabetizador




As situações a seguir acontecem em escolas de todo o Brasil: boa parte dos alunos de séries avançadas - tanto do Ensino Fundamental quanto do Médio - não consegue localizar informações em uma notícia de jornal, assusta-se diante de livros mais grossos que precisam ser lidos para a disciplina de Língua Portuguesa e não entende o artigo científico consultado na aula de Ciências, entre outras dificuldades. Eles fazem parte daquela parcela da população que avança na escolaridade sem dominar a leitura e a escrita ou do índice de 29,6% de crianças e jovens em defasagem idade-série no Brasil. Tudo porque não foram bem alfabetizados. Hoje, são 456 mil meninos e meninas de 8 anos que não leem nem escrevem da forma que se espera para a idade (15,2% do público dessa idade). Candidatos, portanto, a futuros analfabetos funcionais. 

Para quebrar essa corrente, é preciso garantir que todas as escolas alfabetizem os alunos nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Alguns especialistas afirmam que isso pode acontecer até antes, principalmente se as crianças frequentam a pré-escola - agora obrigatória. Porém o Ministério da Educação (MEC), com o intuito de propor uma meta mais factível do que ideal, optou por estabelecer os 8 anos como teto ao elaborar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Em novembro do ano passado, quando o programa foi lançado, ele teve a adesão de 5.270 dos 5.565 municípios do país e de todos os estados da federação, que receberão recursos para serem investidos, prioritariamente, na formação de professores e na aquisição de material pedagógico.

Contudo, a escola precisa estar preparada para a missão. E os caminhos para atingir o objetivo passam por providenciar um ambiente 100% alfabetizador - aquele em que a escrita e a leitura são o eixo principal da comunicação e da relação entre os alunos e a escola - e incorporar à rotina de todos a cultura da capacitação em serviço. Nesta reportagem, você vai conhecer 18 ações - divididas nas seis áreas da gestão escolar (aprendizagem, equipe, material, espaço, tempo e comunidade) - que ajudarão na consolidação de uma escola alfabetizadora.

Aprendizagem

Definir as expectativas
O primeiro passo é estabelecer o que os alunos têm de aprender nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Algumas secretarias já fixam as metas: a estadual de São Paulo, por exemplo, deliberou que no fim do 1º ano as crianças devem conhecer os usos e as funções sociais da escrita, compreender o sistema alfabético e ler e escrever palavras e sentenças. Ao terminar o 2º, elas precisam ler e formular textos curtos e utilizá-los em práticas sociais. Já na conclusão do 3º, espera-se que os estudantes estejam aptos a ler com fluência, produzir escritas ortograficamente corretas e localizar informações em textos mais longos. Caso a secretaria de Educação não tenha as expectativas de aprendizagem elaboradas, a própria escola terá de fazer isso. 

Usar a leitura e a escrita como prática social

Dentro da escola, é certo que os alunos precisam ler e escrever com a mesma finalidade que todos na sociedade o fazem: uma antologia poética e um livro de contos, por exemplo, elaborados por uma turma, têm de ser compartilhados com os colegas e distribuídos às famílias; as regras de um jogo, escritas para serem consultadas durante a brincadeira e assim por diante. Nada de escrever somente para o professor ler. "Ver como o material escrito é usado e considerar o leitor na hora das produções dá sentido a elas e permite que os estudantes entendam seus propósitos", afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo. 

Estimular a ler e escrever desde cedo 

Mesmo sem estarem alfabetizados, os pequenos da Educação Infantil conseguem identificar o próprio nome, "ler" para os colegas uma parlenda que conhecem de memória e diferenciar as imagens da escrita. Isso se o contato com textos diversos se der desde cedo, com o professor da creche e da pré-escola lendo para os bebês e as crianças, oferecendo livros e outros suportes da escrita para serem manipulados e permitindo que todos "escrevam" - cada um do seu jeito. "Dessa forma, o grupo chega ao Ensino Fundamental pensando sobre o sistema da escrita e entendendo que ela representa a fala", afirma Marisa Garcia, doutora em Educação e consultora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 

Realizar avaliações diagnósticas 

Para ter consciência do nível de cada aluno nas habilidades de leitura e escrita, o ideal é realizar pelo menos cinco sondagens por ano: uma no início do período letivo e as outras no fim de cada bimestre. "Com os resultados, o professor pode se reunir com o coordenador pedagógico e pensar em estratégias que promovam os avanços necessários", afirma Marisa. 

Planejar atividades de reforço 

Se algum aluno não atingiu as expectativas de aprendizagem, é obrigação da escola oferecer opções para que ele não fique para trás - como grupos de apoio, aulas no contraturno e atividades complementares ao trabalho de sala de aula. Isso durante todo o ano. Ter critérios objetivos para a seleção dos alunos que participarão dessas turmas e professores alfabetizadores ajuda no planejamento e no sucesso das ações. 

Valorizar as produções 

Ao coordenador pedagógico cabe orientar a equipe docente a reconhecer toda e qualquer tentativa de escrita a fim de manter os alunos motivados a elaborar os próprios textos -- que podem ser expostos em murais, painéis e varais instalados nas áreas de lazer e nos corredores. Além de providenciar os suportes, os gestores devem se certificar de que eles estão exibindo a produção de toda a turma e são atualizados com frequência. 

Criar um ambiente comunicador 

Bilhetes para as famílias, notícias de caráter social, cultural, institucional e administrativo, convite para uma comemoração e atas de reunião são alguns dos textos que circulam no ambiente escolar e, portanto, devem ser valorizados. "Eles reforçam o uso da linguagem como uma forma de expressão e comunicação e democratizam o acesso às informações, contribuindo para a aprendizagem da leitura e da escrita", defende Vera Masagão, coordenadora geral da ONG Ação Educativa, em São Paulo.

Equipe
Ter um coordenador pedagógico 

É esse profissional que vai, semanalmente, orientar o horário de trabalho coletivo. Esse momento de troca de experiência entre os docentes sobre as situações da sala de aula é o mais adequado para discutir as teorias e práticas pedagógicas elaboradas nos últimos 20 anos - muitas mudanças aconteceram no conhecimento didático sobre o processo de alfabetização nesse período. A prática se torna ainda mais eficaz se o coordenador incluir em sua rotina o acompanhamento de aulas, pois, ao observá-las, ele conseguirá apoiar a atuação do educador e orientá-lo adequadamente. 

Investir na especialização dos educadores 

Certamente os professores se tornarão experts em alfabetização se a formação na escola for bem feita pelo coordenador pedagógico. Mas onde ele se atualiza? O interesse em buscar informações nessa área ajuda, porém o apoio do supervisor da Secretaria de Educação é imprescindível. Se esse contato for próximo, a troca entre eles fica mais rica e o técnico terá mais facilidade para organizar cursos e palestras que atendam às necessidades da rede e buscar os recursos formativos oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC). Estreitar o contato com universidades e estudiosos em cursos e palestras é outro caminho a ser explorado pelo gestor. A ele cabe também ajudar os profissionais a organizar a agenda de modo que coordenadores e professores possam comparecer aos encontros sem prejudicar as aulas.



Coordenação especializada
Coordenação especializada. Foto: Erônemo Barros
Maria Silvia de Lima (no centro da foto) chegou à EM Professora Brígida Ferraz Fóss, em Campo Grande, no início de 2012 para assumir a coordenação pedagógica da Educação Infantil e do 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. "Sentimos a necessidade de dar uma atenção mais específica para os professores das turmas de alfabetização", conta a diretora da escola, Cleonice Mello Barbosa. A primeira medida da nova coordenadora, que já tinha sido professora alfabetizadora e é pós-graduada na área, foi realizar uma avaliação diagnóstica dos alunos das séries iniciais para saber em qual hipótese de leitura e escrita eles se encontravam. A formação específica sobre o tema aconteceu em três encontros. A coordenadora levou artigos e livros às reuniões a fim de discutir teorias e práticas com os educadores e, ao mesmo tempo, ajudou-os a elaborar planos de aula adequados. Estabeleceu, também, encontros periódicos de docentes de um mesmo ano, iniciativa que se mostrou adequada para a discussão de problemas específicos. Ela incorporou ainda à sua rotina a observação de classe, o que permitiu identificar a dificuldade dos professores em desenvolver atividades de produção de texto. Ao estudar experiências eficazes reconhecidas pelos teóricos nas reuniões de formação, o problema foi resolvido.

Material

Ampliar o acervo e preservá-lo 

Costuma-se pensar que livros com muitas figuras são os preferidos das crianças que estão começando a ler, porém o que as atrai mesmo é uma boa história. A biblioteca da escola e o canto de leitura de cada sala de aula devem estar repletos de publicações com imagens, porém nada impede que o acervo seja maior e mais diversificado. Livros de contos de terror e de aventura, ficção, poesias e outros gêneros são bem-vindos à coleção. Os textos mais complexos podem ser lidos pela professora e emprestados às crianças para que os pais leiam com elas. As escolas públicas contam com o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), do MEC, e outras iniciativas empreendidas pelas Secretarias de Educação dos estados e municípios. Também é possível organizar campanhas de arrecadação junto à comunidade desde que haja critério para selecionar o material recebido. Campanhas educativas para ensinar as crianças a cuidar dos livros e o controle de retirada dos exemplares são fundamentais para preservá-los. 

Disponibilizar o acesso aos computadores 

O uso da internet colabora no processo de alfabetização das crianças na medida em que elas têm as letras disponíveis no teclado, facilitando a escolha e eliminando a dificuldade do traçado. Aos pequenos pode ser sugerida a elaboração de uma lista de animais no editor de textos, com figuras que eles mesmos vão procurar na internet. A pesquisa sobre o autor de uma obra lida em sala também é uma atividada a ser explorada. Para Vera Masagão, o contato com a tecnologia é importante, pois, nos próximos anos, computadores, tablets e celulares serão os principais suportes de escrita. 

Transformar a sala de aula 

Nada de paredes vazias e de cantos sem material escrito. Livros, revistas, gibis e jornais precisam estar em local acessível para que as crianças os manuseiem. O alfabeto, as regras da brincadeira ou da receita culinária que será feita no dia e outros textos, fixados em murais, servem de consulta para os estudantes nas tentativas de escrita. Importante ter o nome dos alunos em letras maiúsculas numa lista gigante ao lado do quadro e na identificação dos materiais escolares. Beatriz Gouveia lembra que o alfabeto móvel e os jogos pedagógicos - cujo foco seja a palavra inserida em contexto comunicativo - contribuem para que situações de uso da escrita ganhem destaque nas aulas.

Espaço


Utilizar bem o local de leitura  

Obras de qualidade da literatura infanto-juvenil e gêneros variados devem fazer parte do acervo da biblioteca ou sala de leitura. No entanto, o espaço só adquire relevância quando as crianças realizam atividades como rodas de leitura, reconto de histórias e saraus literários. O ideal é ter um profissional responsável por planejá-las, organizar os exemplares e indicar livros para professores e alunos. O local ainda pode ficar disponível para a comunidade do entorno da escola. 

Formar agrupamentos pequenos 

Com poucos alunos, o professor consegue atender a todos, respeitando o ritmo de cada um e oferecendo atividades específicas. Além disso, em turmas menores, todos têm a chance de participar mais das propostas coletivas. Em novembro, foi aprovado pelo Senado Federal - e está em tramitação na Câmara dos Deputados - um projeto de lei que determina o máximo de 25 estudantes por sala nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Há experiências exitosas também com dois professores nas turmas de alfabetização.



Início na Educação Infantil
Início na Educação Infantil. Foto: Marina Piedade
Na EMEB Octávio Edgard de Oliveira, em São Bernardo, na Grande São Paulo, as ações voltadas à alfabetização começam na Educação Infantil. O Projeto Literário é a principal iniciativa. Nele, as crianças de 3 a 5 anos têm contato com as obras de um autor por trimestre, aprendendo sobre o estilo, a linguagem e a maneira de caracterizar os personagens, em leituras realizadas três vezes por semana. Nos outros dias, outros textos são trabalhados. "Nós não ensinamos a ler e a escrever na pré-escola, porém introduzimos os pequenos no universo letrado para facilitar a alfabetização e a aprendizagem", afirma Cristiane de Araújo Santos, diretora da escola. As crianças frequentam semanalmente a Biblioteca Interativa, conceito presente em todas as escolas municipais, que oferece livros, acesso a computadores, aparelhos de vídeo e música, DVDs, CDs, gibis, revistas e jornais e um baú com fantoches e fantasias. Lá, os alunos participam de rodas de leitura e reconto de histórias e escolhem as obras que querem folhear. O espaço conta com uma assistente para planejar as atividades com os professores e orientá-los em relação ao uso do acervo. Ela também indica livros para as crianças levarem para casa. O local é aberto ao público às terças-feiras, ocasião em que os pais, os funcionários e a comunidade do entorno leem, pesquisam e estudam.
Tempo

Promover atividades diárias de leitura 

Diretor, coordenador pedagógico e professores definem em que momento inserir uma atividade diária de leitura. No planejamento das aulas, ela é obrigatória. Por que não torná-la rotina também na abertura de reuniões de formação, de equipe e de pais e na pausa da jornada dos funcionários? Todos, certamente, vão se sentir à vontade para abrir um livro se isso for estimulado pelos gestores. 

Garantir o cumprimento dos dias letivos 

São 200 dias e 800 horas por ano que a escola deve assegurar aos alunos. No entanto, não basta que a quantidade seja cumprida. É preciso assegurar a boa utilização do tempo para o ensino e a aprendizagem. A observação de sala de aula ajuda o coordenador pedagógico a ver se isso está sendo feito. Se ele notar desperdício com tarefas pouco importantes, deve inserir a discussão sobre o máximo aproveitamento do tempo das aulas nos encontros de formação a fim de orientar os professores.

Comunidade
Comunicar as propostas de alfabetização aos pais 

Será mais fácil acompanhar a aprendizagem dos filhos se os familiares forem bem informados sobre os procedimentos usados pela escola para atingir tal objetivo. "As reuniões de pais servem a esse propósito, assim como palestras que abordam a maneira como as crianças aprendem a ler e escrever", afirma Paula Stella, professora de pós-graduação do Centro de Formação da Escola da Vila, em São Paulo. Nos encontros, é possível dar orientações sobre como ajudar os filhos. Os pais podem perguntar se há lição de casa, reservar um local tranquilo para que a criança faça as tarefas, olhar o caderno e comentar os avanços. E, claro, ler para e com os pequenos. 

Incluir a família nas atividades 

Quando participam de eventos como feira de troca de livros e gibis, saraus literários e encontros com autores, os pais mostram aos filhos a importância de ler e valorizam a atividade de leitura. Por isso, um convite para comparecer à escola nesses momentos é bem-vindo, assim como a inclusão em projetos que demandem a leitura em família.



Pais parceiros
Pais parceiros. Foto: Marcelo Almeida
Ao menos duas vezes por mês, Marcelo Duarte (foto) e outros pais de alunos vão à Praça da Leitura da EM Governador Pedro Ivo Campos, em Joinville, a 180 quilômetros de Florianópolis. Ele é pai de Daniel, de 7 anos, e usa esse espaço para passar pelo menos 40 minutos lendo livros, revistas e jornais com o filho - tempo reservado pelas professoras para essa finalidade. "Acho importante valorizar essa prática, principalmente com crianças que estão sendo alfabetizadas", afirma ele. Construída há sete anos, a praça foi fruto de uma parceria entre a instituição e uma empresa da cidade. Isolete Alves Vicente Salomon, diretora da Pedro Ivo, investe na participação da família no acompanhamento da escolarização. Por isso, ela e a supervisora pedagógica, Silvana Terezinha Gomes, organizam várias ações de aproximação com os pais. É o caso dos projetos Livro, Imagem, Emoção e Socialização - em que os familiares são convidados a narrar histórias para serem posteriormente recontadas pelos estudantes - e Mochila Viajante - as crianças levam uma obra para casa, leem em família e fazem o registro em um diário. Ao longo do ano, há palestras com escritores, exposição de livros e apresentações teatrais na biblioteca. "Formar leitores é prioridade e só conseguimos isso quando levamos essa preocupação para além dos limites da escola", diz Isolete.
http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/caminhos-escola-alfabetizadora-734380.shtml?page=6

Um comentário:

  1. Essa matéria foi de extrema importância para mim que sou acadêmica iniciante de pedagogia. Parabéns a tia da creche!!

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